O Outro Não Digitou...
Crônicas psicanalíticas
CRÔNICAPSICANÁLISEANGUSTIAFANTASIAANSIEDADE DIGITALSILÊNCIOFERIDA NARCÍSICAREDES SOCIAIS
© Pannera Rodrigues
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Era só uma mensagem. Curta, precisa, até meio boba. Um “Oi, tá tudo bem?” — que poderia passar batido, se não fosse por aquele detalhe assassino: o maldito duplo check azul.
Visto às 14h37.
Silêncio desde então.
É isso. A angústia moderna tem cor, e ela é azul.
Vivemos um tempo em que ser ignorado dói mais do que ser negado. O não, ao menos, é resposta. Mas o silêncio depois do visto? É abismo. É a fantasia de não significar nada para o outro. E aí, pronto: o sujeito cai na fenda da linguagem onde o desejo do Outro nunca é garantido, onde a falta escancara sua presença.
A notificação azul não responde, mas grita. Grita que você foi percebido, mas não acolhido. Lido, mas não escutado. É como uma porta que se abre só pra mostrar que não há ninguém te esperando do outro lado.
No jogo das redes, a comunicação virou campo de batalha narcísica. Cada “visto e ignorado” é vivido como ataque. A resposta imediata virou prova de amor. A demora virou desdém. E o desejo? Esse ficou perdido no meio do caminho entre o emoji e o vácuo.
Freud diria que o sintoma sempre fala. E talvez essa dor no peito, essa ansiedade que sobe feito febre, não seja pelo outro, mas pela ferida antiga que ele apenas tocou com o dedo da sua ausência.
Lacan diria que o sujeito só se constitui na linguagem e que toda comunicação carrega um pedaço de incomunicável. A notificação azul, então, é só mais um espelho quebrado onde tentamos ver nossa imagem inteira.
Na clínica, essa dor aparece disfarçada: como fobia social, como ansiedade generalizada, como insônia crônica. Mas, às vezes, tudo começa com uma mensagem que ninguém respondeu.
E o analista escuta o que ninguém leu.