O Tempo e o Sintoma: por que o sujeito contemporâneo não consegue esperar?
Um manifesto sobre o colapso do tempo no sujeito contemporâneo. Entre a urgência e a ansiedade, uma convocação à pausa, à escuta e à ética do intervalo. Porque talvez não haja cura sem demora e nenhum sujeito sem tempo.
ANXIETYPSICANÁLISETEMPOCONTEMPORANEIDADEESCUTA
© Pannera Rodrigues
Todos os direitos reservados. Reprodução permitida apenas com autorização.
O elevador demora trinta segundos e já estamos impacientes. O vídeo do YouTube tem cinco segundos de anúncio e já parece demais. Um exame leva dois dias e já é angustiante. Vivemos como se o tempo fosse um incêndio: ou se foge ou se apaga. Mas ninguém mais habita o tempo. E esperar virou quase uma ofensa.
Nessa civilização da urgência, a ansiedade não é exceção — é regra. Não é doença — é sintoma. Sintoma de um laço que se desfaz, de um desejo que não encontra fenda, de um sujeito que não suporta a travessia.
A ansiedade, em Lacan, não é apenas uma emoção passageira, mas sim um sinal da estrutura inconsciente do sujeito. Ela revela a falta, a insatisfação e a impossibilidade de alcançar a satisfação plena. Na perspectiva de Freud, a ansiedade não é apenas uma resposta a perigos externos, mas também um sinal de alerta para conflitos internos e traumas do passado. Ou seja: não se trata de algo a eliminar, mas a escutar.
O tempo contemporâneo não tem margens. Tudo é agora, tudo é para ontem, tudo é imediato e nada é verdadeiramente vivido. O instante virou mercadoria: stories de quinze segundos, respostas em cinco minutos, alívios em miligramas. A espera é vista como fracasso. A pausa, como ameaça. E o silêncio, esse que sempre foi fértil em análise, tornou-se insuportável.
A clínica da impaciência é atravessada por essa lógica: o sujeito não chega para falar, mas para apagar. Não quer elaborar, quer resolver. Não quer tempo, quer fim. Mas a psicanálise não promete atalhos. Ela é, antes de tudo, um trabalho contra a pressa. Porque só no intervalo entre um significante e outro é que o desejo pode aparecer.
Escutar alguém, hoje, é um ato revolucionário. Sustentar a angústia sem tamponá-la, acolher o sintoma como formação de compromisso e não como erro a ser deletado isso é gesto clínico, é gesto ético. O sujeito do nosso tempo está esgotado de tanto correr atrás de um gozo que sempre escapa. Ele precisa de um lugar onde possa tropeçar nas palavras, e não ser corrigido. Onde o tempo não o engula, mas o revele.
Urgência é efeito de um tempo achatado. A psicanálise propõe outra temporalidade: a do furo, da espera, do atravessamento. Porque não há análise sem demora. E talvez não haja cura sem um pouco de fracasso.
Este é um manifesto a favor da pausa. A favor da escuta. A favor do sujeito. E se hoje ninguém mais tem tempo, que a psicanálise continue sendo o lugar onde ele ainda pode existir.
por Pannera Rodrigues, psicóloga e psicanalista
Abril de 2025
O Tempo e o Sintoma: por que o sujeito contemporâneo não consegue esperar?
Pannera Catrini de Souza Rodrigues