Quando o afeto vira pedido de cura
Crônicas psicanalíticas
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© Pannera Rodrigues
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Outro dia, ouvi alguém dizer:
“Não quero mais amar quem demora pra responder. Eu fico mal.”
E ali, bem naquele intervalo entre a fala e o respiro, percebi que:
o amor, pra ele(a), era menos um encontro e mais um alívio.
Como se amar fosse correr contra a própria falta.
E isso diz muito sobre o sujeito de hoje, né?
Acostumado ao “tudo pra ontem”, a notificação instantânea, ele acaba esperando que o amor também venha com entrega expressa e rastreio em tempo real.
Há, nesse amor apressado, uma tentativa de tampar o buraco, ou o furo, como chama Lacan, essa falta estrutural, esse vazio que nos constitui enquanto sujeitos do desejo, com a presença do outro.
Como se o amor pudesse curar o mal-estar de existir.
Como se o gozo viesse por delivery, embalado, pronto, sem espera, sem dor.
Mas o gozo é isso:
não é bem-estar.
É o que fura, o que desorganiza, o que coloca o sujeito frente ao real,
aquilo que escapa à palavra, à imagem, à promessa.
Como se fosse possível criar um laço sem atravessá-lo. Não tem como.
Mas o amor, esse danado, nunca é plano.
Carrega o risco da espera, a dor da falta, o tropeço da linguagem.
A clínica escuta isso.
Escuta o sujeito que ama como quem implora:
“Me garante que eu existo.”
Mas o amor... o amor não garante nada.
No máximo, sustenta um fio, frágil, desejante, humano.
E você:
ama?
Ou só quer alguém que te distraia do próprio vazio?
Por Pannera Rodrigues, psicóloga e psicanalista