Reflexão sobre amores ansiosos

Uma reflexão sobre os amores ansiosos, o desejo por garantias emocionais, e a confusão entre afeto e carência. Quando o outro deixa de ser desejo e vira salvação, o amor vira angústia.

AMORPSICANÁLISEANGUSTIAVAZIOANSIEDADE

por Pannera Rodrigues

5/6/20252 min read

© Pannera Rodrigues
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Vivemos na era do mal do século: a ansiedade.
E num tempo em que se namora com um match e se termina com um unfollow, onde o relacionamento virou sinônimo de ghosting, de vínculos descartáveis, basta um deslize pra decidir se você “quer ou não” continuar com alguém.

O amor é um dos grandes temas da literatura, da filosofia, da arte. De Platão a Clarice Lispector, a Bukowski. Pra Platão no livro 'O banquete", diz que o amor (Eros) é impulso que move a alma em direção ao Belo e à Verdade, não é só afeto, é força de elevação. E nos porres de Bukowski, em seu livro ele diz que “o amor é um cão dos diabos”. E entre esses extremos, tem o amor que nos toca hoje: o amor ansioso. Aquele que tira o sono, que faz você duvidar do próprio valor, que exige validação constante “você ainda me ama?Será que isso é amor? Eu arrisco dizer que não. Porque não dá pra chamar de amor um sentimento que te adoece.

Hoje, muita gente não ama o outro. Ama ser amado. Busca o amor como quem busca um colete salva-vidas. E não por maldade, mas porque estamos todos um pouco afogados em carência, em medo, em solidão disfarçada de independência.

Aí entra a teoria do apego de John Bowlby (2004) , que nos ajuda a entender esse lugar. E tem um tipo específico que, na minha opinião, é um dos mais cruéis: o apego inseguro-ansioso. É aquele em que se busca, de forma desesperada, a aprovação e o cuidado do outro. Uma fome emocional constante. Uma dificuldade imensa de lidar com separações, mesmo as pequenas. O outro vira fonte de autoestima, de segurança, de sentido.

A gente parou de desejar o outro, e passou a desejar que o outro nos salve da própria ausência. Mas isso… isso não é amor. É desespero vestido de afeto. Não se deseja mais o outro por quem ele é. Se deseja que o outro venha nos completar. Que tape os buracos, que acalme as vozes internas, que prove, todos os dias, que a gente vale a pena.

Esse tipo de apego não deseja o outro como ele é. Deseja que o outro seja um espelho mágico que diga, todos os dias: “você vale a pena”, “você é amável”, “você está seguro(a) comigo”. Só que ninguém dá conta de sustentar esse papel o tempo todo. Porque o desejo, por essência, é falta e não certeza. Amar é também aceitar a presença da ausência. A impossibilidade de controle.

Mas amor não é isso. Amor é falta, não completude. É desejo, não garantia. E desejar é justamente aceitar que o outro é outro. Que ele pode ir, voltar, ter silêncio e ainda assim haver encontro. Relacionamentos ansiosos não nascem do excesso de sentimento, mas da tentativa de fazer o outro caber numa função que não é dele: nos salvar de nós mesmos.

por Pannera Rodrigues

Referências bibliográficas

Bowlby, J. (2004). Apego e Perda: 1 - Apego - A natureza do vínculo, Apego e Perda: 2 - Separação: Ansiedade e raiva, Apego e Perda: 3 - Perda - Tristeza e depressão (3ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.

BUKOWSKI, Charles. O amor é um cão dos diabos. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre: L&PM, 200

PLATÃO. O Banquete. Tradução, introdução e notas de José Cavalcante de Souza. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.